Carros 1.0: Como a Tributação Brasileira Transforma Veículos Populares em Produtos de Luxo!
Dentre as muitas distorções do mercado brasileiro de veículos, uma das mais longevas é a tributação de IPI menor aos carros com motorização de 1 litro. O benefício foi criado em 1993 com alíquota simbólica de 0,1% – após manobra política da Fiat que tinha o motor Mille pronto – e foi encampado pelo governo como programa do carro popular para ampliar o acesso a modelos zero-quilômetro e dar volume de vendas aos fabricantes.
Mais de trinta anos se passaram, a tecnologia evoluiu, e a adoção de turbocompressores e injeção direta de combustível criou motores 1.0 mais potentes e eficientes do que modelos aspirados de maior cilindrada. Contudo, essa evolução só serviu para engordar o caixa dos fabricantes, que pagam menos imposto nos carros 1.0 turbinados e cobram preços finais tão ou mais caros do que veículos taxados em faixa superior de IPI.
Por que a indústria nacional quer antecipar a taxação dos carros elétricos importados?
Mesmo com o IPI do carro 1.0 aumentado para 8%, a partir de 1995, e passando por algumas variações para cima e para baixo – foi até zerado em 2008 e 2012 –, chegando em 2022 aos atuais 5,27%, há mais de trinta anos qualquer automóvel com motor de até 1 litro no Brasil paga menos imposto do que os equipados com motorização de maior cilindrada, mesmo que sejam veículos idênticos em design, tamanho e configurações – atualmente os modelos 1.1 até 2.0 têm IPI de 8,28% no caso dos flex e de 9,78% para os a gasolina.
Pior carro mais caro do mundo
Para aproveitar o benefício, a indústria automotiva nacional convergiu ao motor 1.0. De início, correndo atrás da Fiat, alguns fabricantes adaptaram rapidamente motores a machadadas, criando aberrações com menos de 50 cavalos que mal carregavam o próprio peso em uma ladeira. No entanto, pode-se dizer que o programa do carro popular deu certo em seu objetivo de aumentar a motorização do País e conduzir a indústria automotiva a um patamar superior de volume, criando um mercado que antes não existia.
Na virada para os anos 2000, os carros 1.0 chegaram a dominar quase 70% das vendas de veículos no País. Nesta época, os carros 1.0 eram de fato modelos populares de entrada, os mais baratos do mercado e bastante rústicos – alguns até toscos com uso de materiais de baixa qualidade percebida.
O que esperar da motorização no Brasil?
Após alguns anos, a tolerância dos consumidores com os carros 1.0 de baixa qualidade começou a cair – as vendas atingiram a participação mínima de 33% em 2016 – na mesma medida em que os fabricantes começaram a desenvolver opções melhores para criar diferencial competitivo e ganhar mercado dos concorrentes. Em busca de oferecer coisa melhor, a cavalaria dos motores de 1 litro foi aumentando, passando dos 60 cavalos a partir dos anos 2000, passando dos 70 cv em uma década e superando os 80 cv nos anos 2010 até a chegada dos motores 1.0 turboflex de 110 cv a impressionantes 130 cv.
Conclusão
A evolução no setor automotivo é clara, mas a distorção tributária se mantém, beneficiando unicamente o lucro dos fabricantes. É necessário repensar a tributação por cilindrada, focando em incentivos para eficiência energética e redução de emissões. O IPI Verde e o Imposto Seletivo são passos nessa direção, mas dependem de regulamentação e implementação eficazes para realmente beneficiar o consumidor e o meio ambiente.
Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo, e editor da revista AutoData. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista Automotive News Brasil e da Agência AutoData, entre outros.